Essas habilidades, que podem ser aprendidas, contribuem para uma postura mais empática, resiliente e colaborativa, permitindo adaptar-se às mudanças e lidar com os desafios do século 21
As competências socioemocionais são padrões de pensar, sentir e agir que as pessoas têm perante qualquer estímulo que recebem, seja ele interno ou externo. Todos nós processamos o que está acontecendo ao nosso redor a partir da nossa memória, das nossas vivências e dos nossos sentimentos. Assim, essas competências, que causam grande impacto na nossa vida, podem ser aprendidas.
No ambiente escolar, elas são parte fundamental da formação dos alunos. “Além das competências cognitivas que os estudantes precisam desenvolver em sala de aula, eles também devem aprender sobre como lidar com as situações e os estímulos que recebem o tempo todo”, aponta Raquel Oscar, supervisora comercial da Semente Educação.
Ela explica que instituições nacionais e internacionais já há muitos anos se debruçam sobre isso. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é a principal delas e propõe, de acordo com achados de estudos científicos, que as competências socioemocionais são a base para a promoção do bem-estar e da saúde mental dos alunos, dos professores e de toda a comunidade escolar, além de influir também no desempenho acadêmico dos estudantes.
“A gente precisa ter em mente que desenvolver as competências socioemocionais nas escolas é, em última instância, também contribuir para que esse aluno tenha melhores notas, tome boas decisões dentro do seu escopo acadêmico e se prepare para lidar com os desafios do mundo do trabalho do século 21”, afirma.
Isso significa desenvolver habilidades como foco, organização, curiosidade, imaginação criativa, flexibilidade, resiliência, assertividade e empatia, que vão possibilitar se adaptar a novos cenários e lidar com situações que fogem do controle. “E a se diferenciar, por exemplo, de todas as automações e funções que hoje são muito desempenhadas pelas tecnologias e pela inteligência artificial”, acrescenta.
Também é preciso considerar que esse estudante precisará trabalhar em conjunto com outras pessoas, saber se comunicar, defender suas ideias, ter autoconhecimento e autoconfiança, modular as frustrações e ter habilidades interpessoais. “Desenvolver as competências socioemocionais nas escolas também é preparar esse aluno para o futuro”, destaca Raquel.
Como trabalhar o desenvolvimento socioemocional nas escolas
A especialista considera que, atualmente, a maioria das escolas e dos educadores já reconhece a importância das habilidades socioemocionais. O desafio agora, segundo ela, é como tornar isso eficiente, no sentido de ter ferramentas, parceiros e soluções que ajudem a desenvolver esse aluno.
“Em primeiro lugar, entender onde ele está em relação ao desenvolvimento dessas competências e quais são as suas fortalezas e pontos a desenvolver. E, depois, como acompanhar essa evolução”, salienta. “Dar sentido e intencionalidade para o trabalho socioemocional dentro das escolas é fundamental.”
Ela diz que as competências socioemocionais podem e devem ser trabalhadas de maneira transversal, envolvendo toda a comunidade escolar. Como desafios, ela cita o excesso de conteúdos que os educadores precisam dar conta e a ênfase muito grande na preparação para o Enem e os vestibulares, tornando os objetivos de muitas escolas bastante limitados à aprovação nesses exames.
Esses fatores podem fazer com que o foco das aulas esteja mais voltado para os aspectos cognitivos desse aluno. “Mas o que a gente tem entendido e propagado é que não é preciso fazer essa escolha entre priorizar os conteúdos acadêmicos ou focar no desenvolvimento das habilidades socioemocionais. Precisamos colocar um “E” aí e não um “OU”. Até porque já sabemos que o desenvolvimento das competências socioemocionais tem um efeito direto no desempenho acadêmico desses alunos. É possível trabalhar ambos de forma simultânea, coerente e estimulante”, ressalta.
Nesse contexto, o professor precisa entender por que trabalhar as competências socioemocionais nas suas aulas. E o aluno compreender que essas competências vão ajudá-lo tanto no desempenho nas provas, como também na própria interação com os colegas, com os professores, com a família e com a comunidade como um todo.
Um caminho para isso são as metodologias ativas de ensino e aprendizagem, que potencializam o desenvolvimento tanto das competências socioemocionais como das acadêmicas. Sala de aula invertida, resolução de problema e instrução entre pares, por exemplo, são essenciais para que os alunos desenvolvem a capacidade de trabalhar em grupo, a interação social, a empatia, o respeito e o autocontrole.
O papel de educadores e gestores
Raquel observa que é importante que os educadores e a gestão também tenham as orientações necessárias em relação a quais conteúdos abordar e como reconhecer e nomear as competências socioemocionais no dia a dia para trabalhar com mais intencionalidade.
“A partir do momento que o professor compreende, por exemplo, que existe uma família de competências socioemocionais que vai atuar na autogestão e a autorregulação desse aluno, contemplando foco, determinação, persistência e responsabilidade, ele começa a entender que tipo de tarefa desempenhar ou que tipo de metodologia usar para desenvolver mais a organização da turma, por exemplo. Trazer para a escola mecanismos de instrução para esses professores, o chamado letramento socioemocional, é fundamental para que as práticas não sejam só pontuais.”
Os professores e gestores também devem saber reconhecer nas suas ações do dia a dia como essas competências estão e como elas podem ser desenvolvidas. “E o que se pode fazer para que esses alunos cheguem ao final do ano com toda a atenção às competências prioritárias ou àquelas que a escola decidiu desenvolver ao longo do ano”, completa.
Benefícios para a comunidade escolar
Os benefícios de trabalhar as competências socioemocionais no ambiente escolar são muitos. “A curtíssimo prazo, podemos pensar na melhora do clima escolar em sala de aula e do entendimento do professor em relação a seus alunos e a si mesmo. Ou seja, de início, a escola já consegue mobilizar todo esse arcabouço para trazer maior autoconhecimento para o próprio aluno e para a equipe pedagógica. O resultado são salas de aula e salas de professores mais colaborativas”, detalha Raquel. Ela também menciona como vantagem o aumento da tolerância ao estresse ao trabalhar habilidades como a modulação emocional, o medo, a raiva e a tristeza.
Outro ponto é fundamental é a redução da violência e do bullying. “A partir do desenvolvimento das competências socioemocionais da família do Engajamento com os outros e da Amabilidade, que dizem a respeito à assertividade, à empatia e ao respeito, por exemplo, conseguimos trabalhar com uma prevenção ativa do bullying nas escolas”, explica. “E até mesmo o reconhecimento das turmas que podem ter maior propensão a esse tipo de violência por não terem essas habilidades muito bem desenvolvidas. Tudo isso traz mais segurança para o ambiente escolar ou pelo menos um caminho para prevenir esses tipos de violência.”
A especialista também lembra de uma pesquisa da OCDE sobre os alunos se sentirem mais à vontade para traçar objetivos mais ambiciosos para suas vidas. “Quando eles têm suas competências socioemocionais mais desenvolvidas, eles sonham mais e se sentem mais à vontade para trabalhar todas os planos que têm para suas vidas, seja acadêmica ou pessoal.”
Vantagens também a longo prazo
Pensando numa perspectiva mais a longo prazo, a questão da empregabilidade é outro benefício da aprendizagem socioemocional. Ela diz respeito a preparar esse aluno para de fato ser um profissional que vai levar para o mercado de trabalho habilidades para além das competências técnicas e quanto isso vai ser fundamental para destacá-lo.
Outro benefício é um comportamento mais consciente e cidadão, atento às questões sociais e de meio ambiente, por exemplo. “Justamente por ter as competências mais bem desenvolvidas, o estudante consegue criar essa empatia para além do dia a dia da escola, transbordando para outros aspectos da vida”, defende.
Esse aluno também tende a criar conexões mais profundas com seus amigos, professores e com a sua família. E ter mais consciência de si e do outro, conseguir se conectar e comunicar melhor os seus problemas favorecem a saúde mental.
“Enfim, são muitos os benefícios de trabalhar as competências socioemocionais na escola, que vão desde o dia a dia da sala de aula, da sala dos professores, até pensando nesse aluno como um adulto, um profissional no mundo de trabalho. E tudo isso reverbera para toda a comunidade escolar e a sociedade como um todo”, reforça Raquel. “Os reflexos da aprendizagem socioemocional vão além dos muros da escola, mas a escola é a principal aliada para que esse desenvolvimento de fato aconteça”, finaliza.