Data é um convite à reflexão sobre as contribuições do povo afro-brasileiro e abre espaço para discutir o impacto do racismo estrutural e as formas de combatê-lo
O Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro, será feriado nacional pela primeira vez, em 2024. A data faz referência ao dia da morte de Zumbi dos Palmares (1655-1695), líder quilombola e um dos maiores nomes da resistência do povo negro durante o período da escravidão no Brasil.
Fabiene Cortijo Ramos, coordenadora do Colégio Rio Branco Campinas e autora da Semente Educação, destaca que o Dia da Consciência Negra é um convite à reflexão sobre a contribuição histórica, cultural e social do povo afro-brasileiro, ao mesmo tempo em que abre espaço para discutir o impacto do racismo estrutural e as formas de combatê-lo. “Mais do que uma simples celebração, essa data se torna também uma ferramenta pedagógica essencial para promover reflexões no ambiente escolar, reforçando a necessidade de ações antirracistas contínuas e eficazes.”
Segundo ela, a data inspira práticas pedagógicas que integram conteúdos sobre a cultura afro-brasileira, a história do racismo e as lutas por igualdade, não apenas como um evento pontual, mas ao longo de todo o ano letivo. “Essas ações ajudam a desconstruir estereótipos e contribuem para uma educação inclusiva, na qual todos os membros da comunidade escolar se sintam respeitados e representados”.
O que é uma escola antirracista?
Posicionar-se como uma escola antirracista é essencial para promover a equidade e o fortalecimento de identidades diversas, além de formar cidadãos conscientes das múltiplas influências culturais e sociais que moldam a sociedade brasileira. “Esse compromisso não apenas enriquece a formação dos estudantes, como também combate preconceitos e estereótipos, promovendo uma consciência histórica e cultural que auxilia no enfrentamento ao racismo”, salienta Fabiane.
Ela explica que quando a escola adota uma postura antirracista, ela vai além de simplesmente condenar o racismo, ela implementa práticas e políticas que buscam erradicar a discriminação racial e suas consequências no cotidiano escolar e na convivência. São exemplos dessas ações:
- Revisão curricular. As Leis 10.639/03 e 11.645/08 regulamentam o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Indígena nos currículos escolares, preenchendo também lacunas que os livros didáticos historicamente deixaram. “Uma escola antirracista reafirma o compromisso de valorizar as contribuições dos povos africanos e indígenas na formação da sociedade brasileira. Esse trabalho deve transcender datas comemorativas, integrando-se continuamente ao currículo escolar.”
- Responsabilidade coletiva. A implementação de uma educação antirracista é responsabilidade de todos na comunidade escolar – direção, professores, alunos e famílias. Para que esse compromisso tenha impacto, é preciso um trabalho articulado entre todos os envolvidos.
- Revisão do Projeto Político-Pedagógico (PPP). Ser uma escola antirracista exige ajustes no PPP, adaptando conteúdos e práticas conforme as diretrizes da Resolução CNE/CP nº 01/2004 e do Parecer CNE/CP 03/2004. Esses documentos orientam a valorização da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, promovendo uma educação que respeite e fortaleça a diversidade.
Boas práticas antirracistas
A coordenadora ressalta que uma escola antirracista se fortalece não apenas como espaço de aprendizado, mas como ambiente de cidadania, onde todos são educados para a transformação e a construção de uma sociedade mais justa. Além das ações já citadas, ela elenca outros oito exemplos de boas práticas que uma escola antirracista pode adotar:
- Elaborar um protocolo antirracista, documento que serve como guia de conduta e ação da escola para lidar com situações de discriminação racial no ambiente escolar. Ele deve descrever como identificar e responder a atos de racismo, além de estabelecer procedimentos para acolher a vítima e educar todos os envolvidos. “Sua importância está em criar um ambiente onde as pessoas sabem como agir diante de situações que envolvam o racismo, promovendo uma postura institucional de responsabilidade e ação imediata”, aponta.
- Formar um comitê responsável por monitorar e promover práticas antirracistas dentro da instituição e implementar ações que vão além da busca pela equidade, proporcionando um espaço onde todas as vozes possam ser ouvidas. Esse grupo deve ser composto por membros de toda a comunidade escolar – professores, funcionários e alunos. “Ele deve atuar como promotor de uma cultura inclusiva, fomentando atividades e discussões que incentivam o respeito às diversas identidades raciais e culturais, apoiando colegas e alunos no enfrentamento de questões raciais. Isso contribui para uma rede de suporte e engajamento mais sólida”, reforça Fabiene.
- Criar um glossário colaborativo com a comunidade escolar para promover uma comunicação inclusiva e consciente. “Muitas vezes, expressões e palavras do cotidiano carregam, mesmo sem intenção, conotações discriminatórias e estigmatizantes. Isso pode reforçar preconceitos e estereótipos, comprometendo o ambiente de respeito e acolhimento que a escola busca cultivar”, alerta.
- Implementar programas de formação continuada sobre a Educação para as Relações Étnico-Raciais (ERER). Eles devem envolver educadores, famílias, alunos e equipe administrativa, abordando a história das relações raciais, as manifestações do racismo e as práticas inclusivas para combatê-lo no ambiente escolar.
- Revisar o currículo com enfoque em diversidade racial e cultural para garantir uma diversidade de perspectivas, especialmente a representação de figuras, histórias e conhecimentos das culturas negras, indígenas e outras minorias. Segundo Fabiene, um currículo antirracista vai além de uma lista de conteúdos a serem inseridos no planejamento. Assim, para implementar a ERER de forma eficaz, é essencial que a escola articule os documentos normativos, como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e as Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira. “Ao promover uma abordagem decolonial, o currículo valoriza e dá visibilidade às diversas culturas, histórias e saberes de diferentes povos, questionando as narrativas únicas que muitas vezes são ensinadas nas escolas”, considera.
- Revisar o material didático e comunicativo da instituição para garantir que não reproduzam estereótipos ou vieses raciais. A escolha consciente de conteúdos e imagens que representem a diversidade de forma positiva fortalece a identidade dos alunos e promove uma educação inclusiva.
- Promover eventos culturais no calendário escolar que engajem a comunidade escolar. Essas atividades não só educam, mas também criam um espaço de troca e valorização de diversas culturas, além de estreitar o vínculo com as famílias na construção de um ambiente escolar mais acolhedor e plural.
- Ampliar a aquisição e a oferta de materiais que retratem e celebrem a diversidade racial, garantindo que os alunos se vejam representados e valorizados no ambiente escolar. Isso inclui filmes, jogos, livros e brinquedos – especialmente bonecas e bonecos com diferentes características étnico-raciais, de gênero e de pessoas com deficiência.
“Creio que construir uma escola e uma pedagogia antirracistas são desafios que devem ser assumidos por todas as escolas brasileiras, com senso de urgência e responsabilidade social”, conclui Fabiene.