Exposição na internet e cyberbullying entre crianças e adolescentes podem agravar quadros emocionais delicados em período de isolamento e ensino remoto
Entre todas as adversidades que a educação remota emergencial demandou das escolas, os perigos do cyberbullying se somaram a um cenário em que os alunos ficam mais expostos na internet por causa do isolamento social. Com um maior tempo de navegação entre aplicativos e redes sociais, mesmo que com propósito educacional, a utilização incorreta de ferramentas digitais pode representar um alerta a educadores e familiares.
Infelizmente é comum a ocorrência de agressões virtuais, como o cyberbullying, com consequências extremamente prejudiciais a crianças e jovens. Por vezes, eles são alvos de ataques ou até causadores deles, já que a imaturidade e a falta de informação podem causar danos de grande repercussão.
De acordo com a pesquisa TIC Kids Online 2019, realizada entre outubro de 2019 e março de 2020 com cerca de três mil crianças e adolescentes e seus pais ou responsáveis, 61% afirmam que veem discriminação na internet mais de uma vez por dia de acordo com o uso de redes sociais. O estudo foi feito para entender como a faixa entre os 9 e 17 anos utiliza a internet.
Discursos de ódio podem virar gatilho na internet
Um vídeo publicado no TikTok pelo adolescente Lucas Santos, de 16 anos, chocou o país ao se transformar em um gatilho para que o jovem tirasse a própria vida. No vídeo, o adolescente simula que vai beijar um amigo da mesma idade. A publicação gerou comentários ofensivos que, segundo afirma a mãe do garoto, foram os principais causadores da morte do filho.
Celso Lopes de Souza, psiquiatra e cofundador do Programa Semente, explica que a instantaneidade das redes ofusca o entendimento do que é público (que pode ser compartilhado) e do que é privado (que deve ser mantido em sigilo).
Além disso, ele pontua que a sensação de anonimato e a “distância” que o agressor possui do seu alvo passa a impressão de impunidade. “Temos uma ideia de falsa proteção e falsa realidade, uma sensação de encorajamento. É muito mais fácil ofender alguém virtualmente”.
O grau de intimidação varia muito no ambiente virtual e, devido às diversas ferramentas e técnicas disponíveis, existe uma variedade de possibilidades para disseminar o preconceito.
Elas vão desde comentários maldosos em um vídeo a até mesmo a manipulação refinada de conteúdos, como o recorte do rosto da pessoa em uma careta, que é transformada em figurinha para o WhatsApp, por exemplo.
Um outro agravante vem a ser a impulsividade que a rede social induz. Os estragos causados pela violência no ambiente virtual podem ser até de maior potência do que na sala de aula, pelo efeito multiplicador característico da internet. “As pessoas não avaliam a questão antes de publicar. A instantaneidade induz ao impulso, e isso amplifica as consequências da ‘fofoca’”, diz o psiquiatra.
O Programa Semente realizou uma live onde os temas relacionados a bullying e suicídio foram debatidos pelos psiquiatras Celso Lopes de Souza e Fernando Fernandes. Assista:
https://youtu.be/i3G9Gj-uUT0
Como a escola e os pais podem ajudar a enfrentar o cyberbullying?
Como a internet é um meio de comunicação imediato, é preciso avaliar todos os pontos e as consequências: a questão jurídica, a reputação social e o bullying. Para o psiquiatra, uma combinação de empatia com decisões responsáveis e autocontrole podem prevenir consequências negativas nas redes sociais.
“É preciso empatia: essa competência faz uma criança se colocar no lugar da outra. As decisões responsáveis as fazem pensar nas consequências que compartilhar um boato pode trazer. Tendo essa visão, a criança sabe que, se publicar algo calunioso, pode ferir alguém, juntamente com compreender que o fato de estar lidando com algo público não lhe dá o direito de ultrapassar os limites da ética, do direito ao próximo e da civilidade. Já o autocontrole a impede de impulsivamente compartilhar algo somente porque está na rede, sem analisar os fatos antecipadamente”, afirma Celso.
Algumas escolas brasileiras já têm experimentado ensinar a lidar com competências socioemocionais como essas, abordadas no Programa Semente. Acredita-se que o amadurecimento é um processo gradual, por isso, trabalhar o emocional da criança o mais cedo possível é o primeiro passo para que ela cresça emocionalmente.
Além disso, quanto menor a faixa etária, maior deve ser o monitoramento do uso das redes, e os responsáveis por isso são os pais, que devem ser o maior exemplo de responsabilidade e empatia para os pequenos.
Os educadores também têm um importante papel nessa trajetória, que é explicar com dinâmicas e de forma didática as consequências da irresponsabilidade e como praticar a empatia. “Tudo isso gera uma atitude mais responsável diante das coisas. Cria pessoas melhores”, conclui Celso.
Ouça também:
https://open.spotify.com/episode/54LbnXfqwaCRNwJPxY3jQL?si=HgcNXdouSROcQ346os6igA&dl_branch=1