* Por Eduardo Calbucci
Em estudos psicométricos que apresentam resultados sobre o desenvolvimento de competências socioemocionais de jovens ao longo do tempo, é comum que se perceba uma espécie de “fosso” no início da adolescência em relação a foco, organização, responsabilidade, determinação e persistência, competências da família da autogestão. É como se meninos e meninas com 12 ou 13 anos se tornassem menos focados, menos organizados, menos responsáveis, menos determinados e menos persistentes do que crianças um pouco mais novas.
Mas não é bem isso que ocorre. Na verdade, não há “perda” de desenvolvimento socioemocional. O que acontece é que, em virtude das exigências cotidianas para essa faixa etária, o grau de desenvolvimento das competências de autogestão que as crianças tinham se mostra insuficiente para os novos desafios que surgem. Daí a necessidade de aprimorar essas competências, o que, de fato, vai acontecendo ao longo de toda a vida.
Trazendo essa discussão para tudo por que passamos nos últimos dois anos, não é absurdo pensar que muitos de nós diríamos estar satisfeitos, na virada de 2019 para 2020, com nossa capacidade de lidar com os estados do medo, da tristeza e da raiva. Aí, veio uma pandemia, o risco de contágio, as dificuldades do isolamento social, a mudança completa do cotidiano escolar. É provável que ninguém estivesse preparado para isso. Para ficar com uma metáfora famosa: o que era sólido se desmanchou no ar.
Vivemos momentos de preocupação, ansiedade, receio, angústia, desânimo, solidão, indignação, frustração, irritação. Mas nossa habilidade para modular estados emocionais desagradáveis não diminuiu. O que houve foi um aumento das dificuldades. O que tínhamos feito até então para regular medo, tristeza e raiva não bastava mais. Foi preciso ir além. E fomos.
Não sou daqueles que gostam de romantizar o sofrimento, como se, em última instância, enfrentar adversidades fosse desejável e prazeroso. Não é. É certo que aprendi muito durante a pandemia e que devo agradecer todos os dias aos profissionais da saúde e aos cientistas, que nos permitem sonhar com um 2022 menos solitário e mais saudável. Mas eu preferia ter aprendido tudo isso sem que mais de cinco milhões de seres humanos tivessem morrido. Porque, como dizia o poeta inglês John Donne, a morte de uma pessoa nos diminui, porque somos parte da mesma humanidade.
O fato é que eu não pude escolher viver ou não a pandemia. Aliás, ninguém pôde. As dificuldades vieram e coube-nos enfrentá-las. E, se as estamos vencendo, é porque cada um de nós desenvolveu um pouco mais a capacidade de lidar com o medo, com a tristeza e com a raiva, mas não apenas isso. Também nos tornamos mais responsáveis, mais empáticos, mais respeitosos, mais confiantes.
Falando sobre as navegações portuguesas, em um de seus poucos poemas publicados em vida, Fernando Pessoa se pergunta se vencer os perigos dos mares, que levaram tantas pessoas à morte, valeu a pena. A resposta está na ponta da língua de muita gente: “tudo vale a pena, se a alma não é pequena”.
Se tem uma coisa que fica dessa pandemia, é que cada pessoa que se vacinou, cada pessoa que ouviu e seguiu as recomendações da ciência, cada pessoa que precisou enfrentar o medo para trabalhar, cada pessoa que precisou transformar a própria casa em sala de aula, cada pessoa que compreendeu a necessidade do isolamento social, cada pessoa que chorou a perda de um parente ou de um amigo, cada pessoa que superou essa doença cujo nome optei por omitir, cada pessoa que manteve a esperança, cada pessoa mostrou que não temos alma pequena.
Não sei o que esperar de 2022. Mas, como disse uma vez Gabriel García Márquez, isso não importa. É o futuro que espera tudo de nós. E ele será tão grandioso quanto formos capazes de imaginá-lo. Com tudo o que fizemos desde o início da pandemia, estou certo de que chegaremos aonde queremos.
*Eduardo Calbucci é professor e um dos fundadores do Programa Semente