Embora a morte seja a única certeza do ser humano, lidar com o luto nunca foi fácil, pois remete à natureza da impermanência, sobre a qual não temos controle. Mesmo sendo um processo individual e intransferível, a pandemia trouxe um sentimento de luto coletivo, fazendo emergir uma mistura de emoções, tantas vezes negadas ou escondidas, como tristeza, raiva, solidão, ansiedade, medo e vulnerabilidade diante do desconhecido e da finitude.
Se o óbito de uma pessoa impacta, no mínimo, outras dez, como lidar, de uma hora para outra, com cifras na casa dos milhares? Em quase dois anos, todos tivemos de enfrentar, globalmente, o medo da própria morte, o receio de perder um ente querido e, efetivamente, o luto.
Muitos não tiveram a chance de se despedir ou de participar dos rituais próprios de cada cultura, fundamentais no processo de elaboração da morte. “O sofrimento é condição indissociável do ser humano. É desejável, é normal, é necessário viver o luto pela morte de uma pessoa querida ou entrar em contato com emoções diversas diante de grandes tragédias", afirma o médico psiquiatra, professor e um dos fundadores do Programa Semente, Celso Lopes de Souza.
"O mais importante de tudo é compreender os sentimentos, dar nome a eles, não sufocá-los; ao contrário, encará-los de frente. E, se preciso, buscar ajuda de especialistas. Quando não racionalizamos a tristeza ou outras emoções desagradáveis, elas podem se transformar em ´sombras´, que se refletem nas relações humanas e desencadeiam males físicos e psicológicos”, acrescenta.
Quanto tempo dura a ‘dor’ do luto coletivo?
Cada pessoa vive o luto em um ritmo e à sua maneira, ou seja, de forma singular. É preciso acolher, apoiar, porém respeitar o enlutado, exercitando a empatia. No processo de elaboração, há também muito aprendizado.
Apesar de dolorosas, situações de perda ajudam a pessoa a repensar seus propósitos, suas relações, suas atitudes, seus valores e compreender o que realmente importa em sua vida.
Isso, inclusive, pode ajudar a amadurecer, a ressignificar sentimentos e a construir novos repertórios, ao despertar recursos internos e desenvolver habilidades, como resiliência e autocontrole, para perceber que um ciclo se encerrou e é necessário recomeçar e avançar.
“Na jornada de autoconhecimento que ocorre durante o luto, a aprendizagem socioemocional é um instrumento poderoso. Precisamos entender que sentir emoções, agradáveis ou desagradáveis, é o que nos torna humanos, e todas têm algo a nos ensinar”, lembra Celso.
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