O cultivo de habilidades como empatia e autorregulação influencia positivamente o desenvolvimento das crianças e as prepara para os desafios da vida adulta
Desde 2023, a Lei 14.617 instituiu agosto como o Mês da Primeira Infância em todo o Brasil, com o objetivo de promover ações de conscientização sobre a importância da atenção integral às gestantes, às crianças de até seis anos de idade e a suas famílias. Diversos estudos já mostraram que essa fase representa um período essencial para o desenvolvimento das crianças, e os estímulos que recebem impactam diretamente na formação de competências futuras e no alcance de todo o seu potencial.
Além dos aspectos físicos e cognitivos, o desenvolvimento socioemocional também acontece nesse período, em que a criança constrói inúmeras estruturas de inteligência e começa a interagir com o ambiente e com as pessoas com quem convive. A aprendizagem socioemocional ocorre naturalmente, de maneira informal, a partir de experiências e vivências que vão dar origem a algumas habilidades.
“Quando ensinamos nossos filhos e filhas a agradecer, indiretamente, estamos estimulando duas competências socioemocionais importantes para nossas relações interpessoais: a empatia, que é a capacidade de se colocar no lugar do outro, e o entusiasmo, que nos faz reconhecer boas emoções e compartilhá-las com as pessoas”, exemplifica a pedagoga Sandra Dedeschi, mestre em Psicologia Educacional e diretora de conteúdo da Semente Educação. “Como já se sabe, podemos desde cedo promover a aprendizagem de competências socioemocionais de maneira intencional, ou seja, com consciência e planejamento.”
Como incentivar o desenvolvimento dessas habilidades
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) define competências socioemocionais como padrões na forma de pensar, sentir e agir, que podem ser aprendidos e causam impacto na vida das pessoas. “Assim, quanto maior a oportunidade de interações sociais, maiores as chances de experiências que despertem as competências, principalmente aquelas ligadas aos três pilares da aprendizagem socioemocional: conhecer as emoções, regular as emoções e relacionar-se com os outros”, afirma Sandra.
Ela reforça que, mesmo sem necessariamente ter a intenção, os adultos já promovem o desenvolvimento dessas habilidades nas crianças desde cedo. “Por volta dos 2 anos, com o início da fala, o desenvolvimento da linguagem e a consciência do outro favorecem as interações. Também é quando elas entram no período pré-operatório (em que ainda pensam de maneira intuitiva e não de forma lógica) e surgem as formas de representação por conta da função simbólica.
“A imitação é uma estratégia muito significativa para trabalhar as expressões faciais das emoções básicas, como alegria, raiva, medo, tristeza e nojo. Explorar a identificação dessas emoções imitando as ‘carinhas’ é um passo fundamental desse início de alfabetização socioemocional”, aponta a diretora de conteúdo. “Se esperamos que as crianças desenvolvam a capacidade de modular as emoções e regular os comportamentos quando atingem alta intensidade, esse processo de conhecer as emoções é fundamental.”
Para além das emoções
Sandra enfatiza que o trabalho socioemocional vai além de trabalhar as emoções, pois outras competências podem ser mobilizadas desde cedo. “Ao pensarmos na família das competências da Autogestão, quando incentivamos as crianças a guardarem os brinquedos que usaram ou a ajudarem a colocar algum item na mesa antes de uma refeição, por exemplo, estamos provocando o desenvolvimento da organização e da responsabilidade, tanto em casa como na escola.”
Outro exemplo é o foco, também da família da Autogestão, que diz respeito à capacidade de sustentar a atenção na atividade que está sendo realizada para atingir determinado objetivo. “Muito tem se falado que as crianças estão cada vez com mais dificuldade em manter o foco. No entanto, essa é outra habilidade que pode ser aprendida. Evitar realizar atividades concomitantes e buscar um ambiente organizado, diminuindo os distratores, auxilia nesse processo. Uma iniciativa simples é evitar fazer as refeições assistindo televisão ou vendo o celular.”
Impactos na vida futura
As habilidades socioemocionais também preparam as crianças para enfrentar os desafios e as adversidades da vida adulta. Como parte do processo de autoconhecimento, elas aprendem a identificar as emoções e reconhecer suas características e seus gatilhos.
“Para que possam modular um impulso de raiva, por exemplo, precisam saber como é essa emoção e como podem perceber que ela surgiu e que sua intensidade está aumentando”, detalha Sandra. “Assim como a criança vai percebendo a existência das emoções agradáveis ou desagradáveis e que pode aprender a regular suas atitudes quando elas aparecem, elas também aprendem que o mesmo acontece com as outras pessoas que sentem essas emoções.”
Para a especialista, além de a escola trabalhar essas competências, é importante a parceria com as famílias e a orientação para pais, mães e responsáveis “para que eles possam entender o que é aprendizagem socioemocional e como promover o desenvolvimento dessas competências em casa”, finaliza.