Certamente o Oscar do ano de 2022 será lembrado de forma diferente pelas pessoas. A maior premiação do cinema ficou marcada por um episódio de violência causada por falta de autocontrole emocional.
O ator Will Smith, que ainda venceria o prêmio de melhor ator, deu um tapa no rosto do humorista Chris Rock, após uma piada envolvendo a condição de saúde da esposa do ator. O assunto viralizou nas redes sociais, dividindo a opinião de fãs.
“Esse episódio mostra como o desequilíbrio entre as competências socioemocionais pode ser prejudicial. Isso pode acontecer com todos nós. O comportamento do Will Smith nasce de um sentimento de injustiça, que se transformou em uma raiva incontrolável”, explica o psiquiatra e fundador do Programa Semente, Celso Lopes de Souza.
É possível explicar, tecnicamente, a reação do ator da seguinte maneira:
- As sensações de injustiça e constrangimento provocadas pela piada resultaram em um sentimento de raiva.
- Essa raiva, não controlada pelo ator, passou a prejudicar a capacidade de outras competências se manifestarem, como é caso do respeito, da assertividade e da determinação.
- Quando somos assertivos, conseguimos comunicar nossos pontos de vista e nossas necessidades diante de uma situação ou circunstância, compreendendo os limites envolvidos. Na sequência, a determinação permite expressar tudo isso da melhor forma possível, por meio de nossas atitudes. Por fim, o respeito é a capacidade de tratar o próximo como queremos ser tratados, estimulando a reciprocidade.
- Em vez de se posicionar dizendo que a piada foi inapropriada e desrespeitosa, houve o desequilíbrio desses elementos, que resultaram na agressão.
- Dessa forma, a percepção de injustiça, antes atrelada ao ator, acaba se transferindo para Chris Rock, já que o ato de violência fez com que as pessoas também passassem a sentir que a reação foi injusta.
- Caso a desaprovação fosse expressa de maneira mais equilibrada, um comentário diferente poderia ter sido feito, e apenas o humorista é que seria penalizado perante o público.
Descontrole emocional e comunicação não violenta
Eduardo Calbucci, professor e CEO do Programa Semente, comenta que em nossa sociedade ainda existe a crença popular de que em situações que provocam uma sensação de extrema injustiça, gerando um estado muito intenso de raiva, a melhor forma de lidar com isso é explodir, “colocando tudo para fora, porque não se deve levar desaforo para casa”.
“Foi exatamente assim que Will Smith acabou agindo. Por mais que a piada tenha sido inconveniente e descabida, quando ele agride o comediante, torna-se o vilão da história. E, nesse caso, a agressividade já foi punida. E por quê? Porque ele acabou ganhando um Oscar e isso ficou eclipsado por uma atitude completamente descontrolada. Não se fala da premiação e, sim, da agressão física”, complementa.
Como desenvolver o autocontrole emocional?
Compreender as circunstâncias de cada situação e os pensamentos desencadeados por elas pode ser um primeiro passo para desenvolver o autocontrole emocional. Esse exercício pode ser feito a partir da própria situação do Oscar.
“O que a gente diz é que os pensamentos não pedem licença para surgir. Eles simplesmente surgem e cabe a nós conseguir lidar com eles, por meio do que chamamos de flexibilização cognitiva”, conta Calbucci.
Flexibilização cognitiva é a capacidade mental de retrabalhar as informações, de forma que é possível desafiar os pensamentos e encontrar outros, mais adequados para enfrentar uma situação desagradável.
“No caso do Will Smith, esse pensamento mais adequado poderia ser algo como: ‘Poxa, que piada idiota que foi feita. Acho que não era o momento para fazer isso. Se eu ganhar o Oscar, eu vou comentar que essa piada foi infeliz’; ou ‘Se eu puder conversar com ele depois, eu direi que foi uma piada infeliz’. E provavelmente isso levaria a uma atitude mais apropriada e a uma resolução mais eficiente do problema”, reflete.
Em situações de grande estresse ou sentimento de injustiça, fazer o exercício de respirar algumas vezes, ganhado mais tempo para tomar uma decisão, aumenta a chance de formular pensamentos mais apropriados e, consequentemente, de resolver o problema mais inteligentemente.