Retomar os vínculos e criar ambientes acolhedores e seguros permitem que as crianças elaborem suas emoções e voltem a apresentar comportamentos esperados para a idade
A pandemia tem causado impactos emocionais em pessoas de todas as faixas etárias, mesmo nas crianças pequenas, de 0 a 3 anos. Por mais que não compreendam a complexidade da situação, elas sentem o estresse e as mudanças bruscas na rotina, o que pode levar ao fenômeno da Regressão Infantil.
O estudo "Primeiríssima infância – Interações na pandemia: comportamentos de pais e cuidadores de crianças de 0 a 3 anos em tempos de Covid-19", lançado pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, mostrou que 27% das crianças voltaram a ter comportamentos de quando eram mais novas, como maior dependência dos pais, dificuldades na fala, medo de dormir sozinha e uso de chupeta. A pesquisa entrevistou 1.036 familiares de todas as classes sociais e regiões do país, em março de 2021.
“A crise ocasionada pela pandemia teve impactos nas possibilidades de convívio, na organização do dia a dia e na experiência de emoções intensas. Nesse contexto, o aparecimento desse fenômeno se tornou mais evidente, mostrando que as habilidades socioemocionais foram e são essenciais para o manejo não só para esse período, mas também para a retomada da rotina que, aos poucos, está se tornando possível”, diz Ana Carolina D’Agostini, gerente editorial do Programa Semente.
O que fazer com a regressão infantil?
Segundo ela, a tendência é que, com a volta gradual das atividades, as crianças deixem de apresentar esses comportamentos. Pais e professores devem, nesse momento, ser pacientes e acolhedores com mais essa mudança que os pequenos estão enfrentando.
Os chamados “filhos da pandemia” - crianças de até 4 anos de idade - estão tendo novos ciclos de adaptação, aprendizado e estímulos durante sua interação com um mundo completamente diferente daquele que seria considerado o mais adequado.
Enquanto algumas crianças não conseguem mais ficar sem os pais, outras sentem a extrema necessidade de interagir ao sair de casa. Algo que fazia parte da experiência de vida de uma criança, como aprender a calçar um sapato, por exemplo, se tornou algo sem sentido para muitas delas que cresceram sem a necessidade de passar por essa experiência.
“É hora de incentivar e retomar os vínculos, criar ambientes com estímulos positivos e que tragam a sensação de segurança para que, por meio das brincadeiras e dos relacionamentos interpessoais, as crianças possam elaborar suas emoções, reestabelecer a rotina e voltar a apresentar os comportamentos esperados para a idade.”
No entanto, é importante que as escolas e os familiares estejam atentos a cada caso e avaliem se há a necessidade de acompanhamento profissional -- com um pediatra ou psicólogo -- caso a regressão infantil persista.
Por que as habilidades socioemocionais são importantes para entender esse comportamento?
Ana Carolina explica que as habilidades socioemocionais fazem parte das nossas vidas desde o início, pois, mesmo que a criança ainda não compreenda tudo o que é dito e o que está acontecendo ao seu redor, ela já experiência emoções como alegria, medo, raiva, tristeza e entusiasmo.
Quando as crianças começam a frequentar a escola, o ensino dessas habilidades pode iniciar de maneira intencional e programada a partir dos 4 anos de idade. Nessa faixa etária, as crianças já podem começar a desenvolver o autoconhecimento, identificando o que lhes causa medo, surpresa, alegria e raiva.
Os adultos podem, inclusive, ensinar às crianças técnicas de manejo das emoções, como exercícios de respiração e relaxamento. As crianças também têm condições de reconhecer e a nomear emoções básicas por meio de atividades lúdicas.
“Uma alternativa interessante é usar marionetes para brincar de faz-de-conta e criar histórias, trazendo os sentimentos como fio condutor”, sugere.
Em contação de histórias e rodas de conversa conduzidas pelos professores e educadores, por exemplo, os pequenos têm a possibilidade de refletirem e se expressarem sobre como os personagens se sentiram.
“Quando as crianças são incentivadas a fazer isso desde cedo, começam a desenvolver a empatia e a aumentar o repertório de alfabetização emocional”, finaliza a gerente.
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