Crescem casos de ansiedade e afastamentos no trabalho, reforçando o papel de escolas e empresas em criar ambientes mais acolhedores
Nos últimos anos, principalmente depois da pandemia de Covid-19, o Brasil tem passado por uma crise de saúde mental. Ela atinge diferentes perfis da população, incluindo crianças, adolescentes e profissionais, sobretudo professores.
Dados do Ministério da Previdência Social apontam que o número de afastamentos do trabalho por ansiedade e depressão, em 2024, foi o maior em dez anos. Considerando apenas os professores, os principais problemas estão relacionados a transtornos mentais, segundo a Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho (Fundacentro). E, pela primeira vez na história, os registros de ansiedade entre crianças e jovens superaram os de adultos, conforme mostra análise do jornal Folha de S.Paulo a partir de informações do Sistema Único de Saúde (SUS), de 2013 a 2023.
Crianças, adolescentes e professores
Para Ana Carolina D’Agostini, mestre em Psicologia Educacional e gerente educacional da Semente Educação, os motivos dessa crise são multifatoriais. “Mas, pensando nas crianças e nos adolescentes, uma possível causa é o crescente uso de celulares e redes sociais, o que a literatura já indica também. Essa utilização exagerada traz consequências como a exposição excessiva e a busca por padrões inalcançáveis de vida e de aparência física”, destaca.
Outro ponto importante, segundo ela, é a diminuição do senso de pertencimento dos jovens, o que é fundamental, principalmente na adolescência, período de construção da identidade. Quando o jovem não se sente pertencente, isso traz diversos riscos, entre eles, potencializar casos de ansiedade e depressão. “O aumento da solidão – pois se conectar virtualmente não é a mesma coisa que se conectar presencialmente – e o cyberbullying também são fatores importantes”, acrescenta.
No caso dos docentes, Ana Carolina explica que o predomínio de burnout (esgotamento físico e mental), estresse e depressão provavelmente estão relacionados à sobrecarga de trabalho, ao sentimento de solidão e à desvalorização profissional. “Também há a diminuição da qualidade das condições de trabalho e o enfrentamento de desafios mais complexos com as crianças e os adolescentes. O aumento de casos de transtornos mentais nos alunos afeta o cotidiano escolar e acaba impactando também no trabalho do professor e na sua rotina.”
Impactos na vida pessoal, acadêmica e profissional
Esses adoecimentos têm impactos profundos no cotidiano escolar e no mercado de trabalho. Quando o jovem não está disponível para aprender, ele não consegue se engajar e isso compromete também a relação com os colegas e professores. Já entre os profissionais, como os dados já indicam, aumentam os índices de absenteísmo e afastamentos, além da baixa produtividade no dia a dia. Isso sem contar os efeitos na qualidade do sono e na disposição para fazer exercícios físicos, por exemplo, comprometendo a qualidade de vida.
“Os transtornos mentais podem ainda levar as pessoas a sentirem uma perda de sentido no que estão fazendo, terem vontade de se isolar e mais dificuldade em cultivar amizades e manter vínculos de qualidade, o que é essencial para uma vida saudável”, indica a especialista.
Ela considera que os jovens que estão chegando ao mercado de trabalho hoje vêm de uma geração que pode não ter recebido tantos cuidados e informações sobre saúde mental e não valorizava tanto a aprendizagem e o desenvolvimento socioemocional. “Talvez eles não tenham tido a oportunidade de desenvolver habilidades socioemocionais de um jeito efetivo e intencional ao longo da infância e da adolescência. Gerações anteriores tiveram uma lacuna na educação nesse sentido, com adultos mais vulneráveis ao adoecimento psíquico, como a gente tem observado.”
Assim, ela pondera, deixaram de aprender como desenvolver competências de autogestão, de modulação emocional e outras relacionadas ao pensamento crítico e à tomada de decisões responsáveis para si e para o entorno.
Responsabilidade de escolas e empresas
Ana Carolina acredita que as escolas e as empresas – locais onde as pessoas passam grade parte da sua vida – têm papel decisivo na criação de ambientes mais acolhedores e que promovam a saúde mental. “Toda instituição tem sempre que se perguntar o que oferece em termos de apoio, de escuta, de condições de trabalho e de parcerias para ajudar funcionários e alunos a cuidarem desses aspectos.”
É fundamental perceberem se são ambientes emocionalmente seguros, onde as pessoas se sentem à vontade para falar, se expressar e pedir ajuda quando necessário, contribuindo para o adoecimento ou para a saúde dos profissionais ou dos alunos que estão ali.
Segundo ela, esses ambientes também podem ser espaços de transformação nesse sentido, desenvolvendo estratégias de gestão que são mais humanas ou educação socioemocional de forma transversal. “Não tem como acharmos que o ambiente vai ser produtivo tanto para o ensino como para o trabalho se ele não tiver cuidados com o bem-estar e a saúde mental. Então é urgente olhar para isso e ter investimentos em práticas e programas de bem-estar emocional”, alerta a psicóloga.
Isso inclui, por exemplo, desenvolver competências socioemocionais, medir o desenvolvimento dessas habilidades e ter práticas de prevenção e posvenção. E o acompanhamento contínuo da saúde mental das pessoas, para saber como elas estão e se o processo está funcionando.
Novas diretrizes da NR-1
A gerente de conteúdo da Semente Educação lembra ainda da atualização da Norma Regulamentadora 1 (NR-1), instrumento que estabelece diretrizes de segurança e saúde – física e mental – no ambiente do trabalho. A norma, que entra em vigor em maio de 2025, inclui os fatores psicossociais no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) e no Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO).
“Essas novas diretrizes representam um marco importante, porque elas fazem com que as empresas avaliem e atuem sobre potenciais riscos no ambiente de trabalho que podem afetar a saúde mental, como estresse, assédio moral e sobrecarga mental”, ressalta.
“Isso só reforça a importância e a responsabilidade que as organizações têm tanto na prevenção de adoecimentos e de transtornos mentais, como também na promoção de ambientes que sejam mais saudáveis e produtivos para todos. Essa nova diretriz deixa bem claro que cuidar da saúde mental é uma questão essencial para o presente e o futuro”.
Veja também: